Luiz Manfredini *
Em 30 de abril de 1975 as tropas da Frente de Libertação Nacional do
Vietnã irromperam em Saigon, expulsando os invasores norte-americanos
do então Vietnã do Sul. Ho Cho Minh não estava presente.
Tampouco poderia cumprir o prometido em seu brevíssimo testamento
político, redigido em não mais que duas páginas em maio de 1969: após
a vitória final, “percorrer todo o país, de sul à norte, para
felicitar nossos compatriotas, os nossos quadros e os nossos
combatentes heróicos e visitar os nossos velhos, os nossos jovens e as
nossas criancinhas bem amadas” e ir “aos países irmãos do bloco
socialista e aos países amigos do mundo inteiro para lhes agradecer
por terem ajudado de todo o coração a luta patriótica do nosso povo
contra a agressão americana”.
Os 79 anos de vida, boa parte deles consumidos em lutas ásperas e
contínuas, além de complicações decorrentes da tuberculose adquirida
ainda aos 24 anos derrubaram o velho guerrilheiro, o líder histórico e
heróico dos bravos vietnamitas, o intelectual e poeta Ho Chi. Ele
morreu há exatos 40 anos, em três de setembro de 1969. Mas o largo
tempo que já decorreu desde sua morte, não faz desvanecer no Vietnã e
no mundo aquela figura maiúscula, cuja dimensão histórica contrastava
tanto com o corpo magérrimo, uma espécie de asceta da revolução que
ocupava apenas dois quartos modestamente mobiliados do palácio
presidencial de Hanói, vestindo a mesma sandália e a túnica gasta,
dormindo em cama sem colchão.
O Tio Ho, como o chamavam as crianças e os jovens do Vietnã, marcou o
século XX e ganhou a admiração e o respeito do mundo com sua figura
proeminente de revolucionário que pôs-se à frente de seu povo para
derrotar dois poderosos agressores, primeiro os franceses, em 1954;
depois os norte-americanos, em 1975.
O que sempre me impressionou em Ho Chi Minh foi, como escrevi tempos
atrás, aqui mesmo no Vermelho, “sua obstinação de ocupar-se
inteiramente, incondicionalmente com o mundo e os homens, desviado das
bagatelas mundanas, das pequenezas de espírito, fundido com profunda
radicalidade aos dilemas essenciais da existência”. Naquele artigo que
lembrava seu testamento político de maio de 1969 quatro meses antes de
morrer, eu registrava: “Deixou a cabana de palha de onde nasceu para
estudar e tornar-se professor de escola média. Mas logo ganhava o
mundo como aprendiz de cozinheiro num navio francês. Em Paris, foi
jardineiro, lavador de pratos, cozinheiro. À noite, devorava Tolstoi,
Shakespeare, Victor Hugo, Anatole France, Émile Zola e Marx. Aprendeu
(e falou fluentemente) francês, inglês, alemão, russo e chinês. E
escreveu versos. E tornou-se comunista escrevendo para o jornal do PC
Francês. E, estudando em Moscou, conheceu o grande Lênin. E marchou
para lutar pela libertação de sua terra e de seu povo. E escreveu uma
história de simplicidade e grandeza, dessas que enobrecem o gênero
humano”.
Sempre penso como seria importante que as novas gerações – em época de
marasmo ideológico e pobreza de inspirações modelares – conhecessem
essas figuras maiúsculas da história, como o revolucionário Ho Chi
Minh. Não para copiá-los, não para imitar as circunstâncias históricas
sob as quais viveram, mas para captarem e assimilarem o que de mais
universal nelas existiu. Alguém disse que Ho Chi Minh era de uma
geração de líderes que possuíam a estatura da história. Por isso as
reverberações de sua existência e de sua luta transpassam o tempo e
vêm iluminar o áspero nascedouro deste século de misérias. Que chegue
a muitos estes ecos de grandeza e generosidade.
Nunca vou esquecer que, há exatos 40 anos, eu estava clandestino em
Piracicaba, no interior de São Paulo, quando a morte de Ho Chi Minh
foi anunciada. Tinha 19 anos e escrevi um poema longo, “Glória Eterna
ao Presidente Ho no Coração dos Povos”. Perdeu-se o poema nos desvãos
da vida subterrânea. Não lhe recordo uma linha sequer, exceto o
título. Mas a imagem do Presidente Ho e seu legado paradigmático é
memória que não se extingue.
* Jornalista e escritor paranaense, autor de "As moças de Minas" e
"Memória de Neblina"
Em 30 de abril de 1975 as tropas da Frente de Libertação Nacional do
Vietnã irromperam em Saigon, expulsando os invasores norte-americanos
do então Vietnã do Sul. Ho Cho Minh não estava presente.
Tampouco poderia cumprir o prometido em seu brevíssimo testamento
político, redigido em não mais que duas páginas em maio de 1969: após
a vitória final, “percorrer todo o país, de sul à norte, para
felicitar nossos compatriotas, os nossos quadros e os nossos
combatentes heróicos e visitar os nossos velhos, os nossos jovens e as
nossas criancinhas bem amadas” e ir “aos países irmãos do bloco
socialista e aos países amigos do mundo inteiro para lhes agradecer
por terem ajudado de todo o coração a luta patriótica do nosso povo
contra a agressão americana”.
Os 79 anos de vida, boa parte deles consumidos em lutas ásperas e
contínuas, além de complicações decorrentes da tuberculose adquirida
ainda aos 24 anos derrubaram o velho guerrilheiro, o líder histórico e
heróico dos bravos vietnamitas, o intelectual e poeta Ho Chi. Ele
morreu há exatos 40 anos, em três de setembro de 1969. Mas o largo
tempo que já decorreu desde sua morte, não faz desvanecer no Vietnã e
no mundo aquela figura maiúscula, cuja dimensão histórica contrastava
tanto com o corpo magérrimo, uma espécie de asceta da revolução que
ocupava apenas dois quartos modestamente mobiliados do palácio
presidencial de Hanói, vestindo a mesma sandália e a túnica gasta,
dormindo em cama sem colchão.
O Tio Ho, como o chamavam as crianças e os jovens do Vietnã, marcou o
século XX e ganhou a admiração e o respeito do mundo com sua figura
proeminente de revolucionário que pôs-se à frente de seu povo para
derrotar dois poderosos agressores, primeiro os franceses, em 1954;
depois os norte-americanos, em 1975.
O que sempre me impressionou em Ho Chi Minh foi, como escrevi tempos
atrás, aqui mesmo no Vermelho, “sua obstinação de ocupar-se
inteiramente, incondicionalmente com o mundo e os homens, desviado das
bagatelas mundanas, das pequenezas de espírito, fundido com profunda
radicalidade aos dilemas essenciais da existência”. Naquele artigo que
lembrava seu testamento político de maio de 1969 quatro meses antes de
morrer, eu registrava: “Deixou a cabana de palha de onde nasceu para
estudar e tornar-se professor de escola média. Mas logo ganhava o
mundo como aprendiz de cozinheiro num navio francês. Em Paris, foi
jardineiro, lavador de pratos, cozinheiro. À noite, devorava Tolstoi,
Shakespeare, Victor Hugo, Anatole France, Émile Zola e Marx. Aprendeu
(e falou fluentemente) francês, inglês, alemão, russo e chinês. E
escreveu versos. E tornou-se comunista escrevendo para o jornal do PC
Francês. E, estudando em Moscou, conheceu o grande Lênin. E marchou
para lutar pela libertação de sua terra e de seu povo. E escreveu uma
história de simplicidade e grandeza, dessas que enobrecem o gênero
humano”.
Sempre penso como seria importante que as novas gerações – em época de
marasmo ideológico e pobreza de inspirações modelares – conhecessem
essas figuras maiúsculas da história, como o revolucionário Ho Chi
Minh. Não para copiá-los, não para imitar as circunstâncias históricas
sob as quais viveram, mas para captarem e assimilarem o que de mais
universal nelas existiu. Alguém disse que Ho Chi Minh era de uma
geração de líderes que possuíam a estatura da história. Por isso as
reverberações de sua existência e de sua luta transpassam o tempo e
vêm iluminar o áspero nascedouro deste século de misérias. Que chegue
a muitos estes ecos de grandeza e generosidade.
Nunca vou esquecer que, há exatos 40 anos, eu estava clandestino em
Piracicaba, no interior de São Paulo, quando a morte de Ho Chi Minh
foi anunciada. Tinha 19 anos e escrevi um poema longo, “Glória Eterna
ao Presidente Ho no Coração dos Povos”. Perdeu-se o poema nos desvãos
da vida subterrânea. Não lhe recordo uma linha sequer, exceto o
título. Mas a imagem do Presidente Ho e seu legado paradigmático é
memória que não se extingue.
* Jornalista e escritor paranaense, autor de "As moças de Minas" e
"Memória de Neblina"
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