Por Luiz Manfredini
As sucessões presidenciais no Brasil, já a partir da posse do Marechal Floriano Peixoto, em 1891, contestada pelas elites agrárias, sempre ocorreram sob tensões as mais variadas, algumas delas traumáticas. Em 1930, por exemplo, a sucessão do Presidente Washington Luiz provocou uma revolução, chefiada por Getúlio Vargas. Em novembro de 1937, dois meses antes das eleições, o próprio Getúlio, através de um golpe, instaurou a ditadura do Estado Novo. Mês e pouco antes das eleições presidenciais de 1945, Getúlio foi deposto sob a suspeita de querer manter-se no poder. Juscelino Kubitshek só tomou posse, em janeiro de 1956, garantido pelos tanques do Ministro da Guerra, General Teixeira Lott, pois houve quem conspirasse contra. A posse do Vice-Presidente João Goulart, em meados de 1961, devido à renúncia do Presidente Jânio Quadros, quase provocou uma guerra civil no País. Mesmo sob a ditadura militar, apesar de seu aparente monolitismo, as sucessões envolviam tensões secretas que colocavam os quartéis sob fervura.
Mas o Brasil mudou após a derrubada do regime militar, em 1985. A estabilidade democrática desde então vigente remeteu, ao menos até agora, as tensões sucessórias ao arquivo morto da política nacional. Ainda assim, a sucessão do Presidente Lula contém dramaticidade singular, ou seja, se realiza mediante o duro confronto entre dois projetos antagônicos para o Brasil. Como disse o sociólogo Emir Sader, as eleições presidenciais de outubro definirão “se o governo Lula é um parêntese, com o retorno das coalizões tradicionais que governaram o Brasil ao longo do tempo, ou se é uma alavanca para, definitivamente, sair do modelo neoliberal e construir uma sociedade justa, solidária, democrática e soberana”.
Não há como camuflar a realidade desse confronto. De um lado, apresenta-se o projeto da oposição neoliberal, com seu ideário predatório dos direitos sociais, devastador do Estado, privativista e autoritário, alinhado à hegemonia norte-americana. A candidatura José Serra o representa. De outro lado, o projeto liderado pela ex-ministra Dilma Roussef, de continuidade e aprofundamento das conquistas do Governo Lula, comprometida com o fortalecimento do Estado como indutor do desenvolvimento, com amplas e profundas políticas sociais, com o acelerado crescimento econômico associado à melhor distribuição de renda e redução das desigualdades e com a manutenção da inserção soberana do Brasil no contexto internacional. O jogo eleitoral, portanto, está muito além de meramente cotejar os atributos pessoais dos candidatos (ainda que eles tenham importância).
No confronto que se estabelece entre esses dois projetos antagônicos para o Brasil não há como fugir da comparação entre os anos FHC e os anos Lula. Eles representaram, afinal, a aplicação concreta das duas linhas em disputa, com José Serra e Dilma Roussef desempenhando papel estratégico, ele como ministro do Planejamento e da Saúde de FHC, ela como ministra das Minas e Energia e, depois, da Casa Civil de Lula.
Do simbólico ao concreto, o Brasil de Lula deu um salto gigantesco no desenvolvimento político e socioeconômico
A eleição de Lula representou, de fato, avanços sem precedentes para o Brasil, a começar pelo plano simbólico. A simples existência de um presidente egresso da classe operária, ex-metalúrgico e retirante nordestino, lançou os trabalhadores a uma visibilidade e um protagonismo nunca atingidos. Getúlio foi venerado pelos trabalhadores até décadas após sua morte (e ainda hoje pelos mais antigos). Mas o “velho” não era um deles, era um rico estancieiro gaúcho.
No entanto, foi no plano concreto que as conquistas do Governo Lula mostraram-se implacavelmente categóricas. Representaram, de fato, um salto gigantesco no desenvolvimento político e sócio-econômico do Brasil, sob a coordenação da então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Roussef. Ela própria, agora candidata à Presidência da República, assim define o modelo que ajudou a construir:
“Desfrutamos de estabilidade econômica, agora com grandes reservas internacionais. Se antes íamos de pires na mão ao FMI pedir empréstimos, hoje não apenas pagamos a dívida como emprestamos dinheiro a esse organismo internacional. Recuperamos a autoconfiança e o prestígio político e econômico no mundo. O Estado brasileiro retomou sua capacidade de planejar e de integrar-se com o setor produtivo. O crescimento do Produto Interno Bruto acelerou. O número de famílias abaixo da linha de pobreza decresceu. Milhões de pessoas ingressaram na classe média, na economia formal e no mercado de consumo de massa. A aceleração do desenvolvimento econômico e social foi alcançada com controle da inflação, redução do endividamento do setor público e diminuição da vulnerabilidade das contas externas do país diante de choques internacionais”.
Os indicadores saltam aos olhos. A geração de empregos formais, por exemplo, deverá fechar os oito anos do governo Lula na casa dos 14 milhões de novos postos de trabalho, enquanto na era FHC não passou de 780 mil. Desde 2003, o rendimento médio dos trabalhadores cresceu 18,25% em termos reais, com o salário mínimo saltando dos 64 dólares com FHC para os 290 dólares ao final do governo Lula. O Bolsa Família já atende mais de 12 milhões de famílias, contribuindo decisivamente para a redução da pobreza extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 2008. Aliás, na mobilidade social é que estão os indicadores mais impressionantes. Se na era neoliberal de FHC dois milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza, com Lula esse total elevou-se para 23 milhões de brasileiros, enquanto que outros 31 milhões foram engordar a classe média.
Ao invés do apagão e do racionamento da era FHC, o Governo Lula estendeu a energia elétrica, através do programa Luz para Todos, a mais de 10 milhões de pessoas do meio rural. Em cinco anos de vigência, o Prouni ofereceu quase 700 mil bolsas de estudo para estudantes pobres em 1,4 instituições privadas de ensino superior. Eis uma área em que os dois projetos se mostraram diametralmente opostos: a educação. No Governo do metalúrgico Lula foram criadas dez universidades federais, 45 extensões universitárias e nada menos que 214 escolas técnicas. Nos anos neoliberais de FHC, o sociólogo, nada. Não é por menos que o número de estudantes universitários no Brasil tenha crescido 46% nos últimos seis anos. Estima-se que a posse de um diploma universitário possibilite aumento de cerca de 170% na renda de um trabalhador.
A insuspeita revista britânica The Economist – insuspeita por representar o pensamento neoliberal – cotejou ambos governos, chegando a conclusões, digamos, terminantes. Mostrou, por exemplo, que sob Lula, o risco Brasil despencou dos 2.700 pontos sob FHC para apenas 200, que a dívida com o FMI foi paga e os valores e reservas do Tesouro Nacional saltaram dos US$ 185 milhões negativos no Governo neoliberal para US$ 160 bilhões positivos nos últimos anos. Embora ainda bastante elevada, a taxa de juros Selic caiu em mais da metade dos 27% da administração tucana. Durante as três crises mundiais ocorridas durante seu governo, FHC aumentou os impostos, desvalorizou os salários e endividou-se ainda mais com o FMI. O Governo Lula sofreu, no ano passado, a maior crise do capitalismo mundial desde 1929. Sua receita: reduziu impostos, aqueceu a economia, dispensando empréstimos externos. O Brasil foi dos primeiros países a superar as dificuldades advindas da crise.
A atitude dos governos tucanos com relação aos movimentos sociais é a repressão e a criminalização. O ponto alto ocorreu no Pará governado pelo tucano Almir Gabriel, com o massacre dos trabalhadores rurais sem terra em Eldorado dos Carajás, do qual resultaram 19 mortes. Em São Paulo, mais recentemente, sob o governo José Serra, a PM foi lançada contra professores em greve. O Presidente Lula sempre dialogou com o movimento social. Suas políticas públicas resultaram de nada menos que 72 conferências nacionais diálogo.
Em outubro, o Brasil escolherá entre a rota virtuosa traçada nos últimos anos ou se vai por um freio nas recentes conquistas sociais e econômicas.
O avanço civilizatório que o governo Lula vem proporcionando ao Brasil, demonstrando, nas palavras de Dilma Roussef, que “estabilidade monetária, crescimento, empregos com carteira assinada, investimentos públicos e privados e inclusão social acelerada não eram coisas inconciliáveis”, expressa não apenas vontades individuais (embora elas existam e sejam importantes), mas um projeto articulado e consistente para o País a partir da visão democrática e progressista – e por isso generosa – das forças políticas que dão sustentação ao governo. Um projeto que implica alterações de fundo na sociedade brasileira, cobra continuidade para enraizar-se e tornar-se verdadeiramente estruturante de um novo Brasil, includente, soberano, democrático e de progresso social. Garantir esse rumo ou mudá-lo: eis o sentido mais essencial e de alcance estratégico que os brasileiros farão em três de outubro.
Os brasileiros emitem sinais inequívocos de que estão satisfeitos com o governo Lula e desejam a continuidade de suas políticas. Os índices dessa aprovação têm batido recordes seguidos e alcançam mais de 90% (contando os que julgam o governo regular, o que não significa desaprovação). Mas o projeto liderado por Dilma Roussef não é, como ela própria diz, “oferecer mais do mesmo em relação ao que o Brasil viveu nos últimos anos. É a continuidade da mudança, é continuar mudando para melhor – o emprego, a renda, a saúde, a segurança pública, a educação, a eliminação da pobreza extrema, a inserção de milhões e milhões de brasileiros na classe média, o combate à desigualdade entre as pessoas, os gêneros, as etnias e as regiões”.
Segundo a ex-ministra Dilma Roussef, a nova etapa do desenvolvimento brasileiro resultante do aprofundamento das conquistas do governo Lula começará pela educação, “um dos gargalos para o desenvolvimento sustentado e para a elevação do padrão de vida dos brasileiros”. Essencial será manter e desenvolver a política agressiva de expansão da indústria e do setor de serviços e incrementar os investimentos em pesquisa, inovação e política industrial, com ênfase na biotecnologia, agroenergia e fármacos, setores considerados de ponta. A meta é fortalecer o tripé que une empresas privadas, institutos tecnológicos e universidades.
O projeto encabeçado por Dilma Roussef e que agrega as forças democráticas e progressistas do País reafirma a disposição de reforçar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo a ex-ministra, “em apenas três anos, o mais bem-sucedido programa de governo voltado para a infraestrutura quase duplicou a participação do investimento público no PIB brasileiro e redimensionou o padrão de parceria entre os setores público e privado.” Com isso o novo governo seguirá incrementando nas grandes cidades serviços públicos fundamentais como água e esgoto, devolvendo a paz social, ampliando o acesso ao esporte, lazer e cultura e oferecendo transporte acessível e ambientalmente sustentável.
A manutenção do projeto liderado pelo Presidente Lula terá amplas e profundas repercussões internacionais, sobretudo na América Latina, onde a influência de um Brasil democrático, progressista, defensor da soberania dos povos e das nações e amante da paz é uma das garantia de que a maioria dos países do sub-continente seguirão sua marcha afirmativa de progresso social e independência nacional.
Mobilização e protagonismo em torno de bandeiras classistas de importância estratégica
Os trabalhadores não podem ser indiferentes ao que estará em jogo nas eleições de outubro, limitando-se a contemplar os acontecimentos e, quando muito, restringindo seus pleitos a interesses meramente corporativos de alcance imediato. Afinal, serão eles os principais beneficiários ou as vítimas do projeto que sair vitorioso nas urnas. A CTB, que luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento fundado na defesa da soberania do Brasil e na valorização do trabalho, já tomou posição. Em 30 de julho último sua direção plena decidiu apoiar a candidatura da ex-ministra Dilma Roussef. “A CTB reconhece que, no campo progressista, a candidatura de Dilma Rousseff é a que reúne condições políticas efetivas para derrotar o candidato neoliberal do DEM/PSDB/PPS, José Serra, e dar novo impulso ao processo de mudanças inaugurado pelo presidente Lula e seus aliados”, afirma documento emitido pela central.
Segundo Nivaldo Santana, Presidente em exercício da CTB, “a luta por um projeto nacional de desenvolvimento, do qual a vitória de Dilma Roussef é parte, cobra dos trabalhadores maior mobilização e protagonismo em torno de bandeiras classistas de importância estratégica”. Neste sentido, foi de enorme importância a realização, no inicio de junho último, em São Paulo, da II Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), convocada pelas seis mais representativas centrais sindicais do País. Reunindo milhares de lideranças de diferentes tendências políticas e ideológicas, a conferência debateu e definiu uma plataforma unificada da classe trabalhadora para a intervenção nas eleições de outubro e nas lutas vindouras. E produziu uma agenda encaminhada à ex-ministra Dilma Roussef durante a plenária Mulheres Trabalhadoras com Dilma Presidenta, realizada em último dia 17 de agosto, em São Paulo.
A agenda reúne um conjunto de propostas voltadas para a construção de um vigoroso desenvolvimento sócio-econômico no Brasil, com o Estado no papel de indutor e promotor. Disso decorre, entre outras iniciativas, a efetivação de reformas estruturais. A reforma tributária, visando a progressividade dos impostos, taxação das grandes fortunas e propriedades e a democratização do Conselho Monetário Nacional; a política, com o financiamento público das campanhas, o voto em lista partidária e o fim das cláusulas de barreira; a reforma agrária, com o fortalecimento da agricultura familiar, por meio de crédito e preço mínimo e democratizando o acesso à terra; a urbana, centrada no combate ao déficit habitacional e a construção de cidades sustentáveis. A agenda ainda inclui a garantia de educação pública e gratuita para todo o povo brasileiro, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a redução da jornada de trabalho sem redução de salários.
Os sindicalistas também defendem a regulamentação do sistema financeiro, ratificação da Convenção 158 da OIT, o fim do fator previdenciário, valorização dos servidores públicos, mantendo os acordos firmados com as entidades sindicais do funcionalismo e as políticas de reestruturação do Estado, via concurso público, uma profunda alteração na política de comunicação, combatendo os monopólios midiáticos e fortalecimento das mídias alternativas e garantir que os recursos do pré-sal sejam utilizados para a educação, erradicação da pobreza e combate às desigualdades sociais.
A Agenda da Classe Trabalhadora, que orientará a conduta do sindicalismo classista não apenas nas eleições do momento, mas no curso das demais lutas, deverá também sustentar a eleição de senadores e deputados (federais e estaduais), alinhados com ela alinhados Afinal, a vitória de Dilma em outubro estará incompleta se não for acompanhada pela eleição de senadores e deputados compromissados com a causa democrática e progressista dos trabalhadores. Com o apoio de uma extensa e convicta bancada de parlamentares, o novo governo vencerá mais facilmente os obstáculos conservadores no parlamento, driblando negociações tortuosas, muitas vezes à custa de concessões importantes.
Luiz Manfredini é jornalista e escritor em Curitiba, membro do Conselho Editorial da revista Princípios, representante da Fundação Maurício Grabois no Paraná e autor de As Moças de Minas”
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